Endometriose e FIV (fertilização in vitro)

Endometriose é uma doença crônica que afeta entre até 10% das mulheres em idade reprodutiva. Definida pela presença de tecido endometrial fora da cavidade uterina, essa doença causa um processo inflamatório na pelve que pode levar à fibrose e formação de aderências. Mecanismos através dos quais essa doença leva à infertilidade permanecem incompletamente entendidos, mas incluem distorção da anatomia tubária, qualidade ocitária reduzida, resistência à progesterona e, até mesmo, alterações da receptividade endometrial . 

        Uma grande parte dessas pacientes necessita assistência à reprodução e, neste texto, discutiremos os efeitos dessa doença nos desfechos reprodutivos das pacientes, assim como as opções de tratamento medicamentoso, cirúrgico e indicações de inseminação ou fertilização in vitro (FIV). 

Opções de tratamento para paciente com endometriose e Infertilidade


        Assim como qualquer paciente com infertilidade necessitando de procedimentos de reprodução assistida, nas pacientes com endometriose é imperativo realizar uma boa avaliação de reserva ovariana, por meio da dosagem do Hormônio Anti-Mulleriano ou da contagem de folículos antrais, assim como avaliação do parceiro que, inicialmente, é feita através de espermograma. 

        Na escolha do tratamento, os principais fatores a serem considerados são a saúde tubária, espermograma, idade da paciente e tempo de infertilidade. Alteração anatômica tubária e/ou oligoastenospermia indicam FIV diretamente. Não se pode esquecer que a idade da paciente é o fator isolado mais importante para sucesso reprodutivo e, portanto, mulheres com mais de 35 anos, assim como aquelas com reserva ovariana diminuída, devem ser consideradas de forma cuidadosa(3). 

        Pacientes jovens com trompas normais, reserva ovariana normal e parceiro com sêmen adequado podem ser submetidas à inseminação intrauterina. Discute-se que fatores associados à endometriose podem indicar a FIV que, além de transpor a barreira anatômica, remove os gametas de um ambiente peritoneal hostil(5). 

Endometriose como fator prognóstico


        Um assunto controverso é se a endometriose em si exerce efeito deletério nos desfechos reprodutivos da FIV. Estudos mais antigos, incluindo metanálise de trabalhos publicados entre 1983 e 1998, reportavam piora dos parâmetros reprodutivos nas pacientes com endometriose, inclusive com piora nas taxas de fertilização quando comparadas às pacientes com fator tubário. 

        Estudo realizado com a base de dados da Sociedade para Tecnologias de Reprodução Assistida (dados nacionais norte-americanos) avaliou o efeito da endometriose e de fatores associados nos ciclos de FIV de 2008 a 2010. Mais de 350 mil ciclos foram analisados considerando a presença de Apenas Endometriose, Endometriose e Fator Tubário e Infertilidade sem causa aparente. A presença de endometriose foi associada com menor número de oócitos, menores taxas de implantação e menores taxas de gestação, sendo que a presença de outros fatores associados piorou ainda mais o prognóstico(9). 

        Em nosso meio, análise retrospectiva reportada à rede LARA (Rede Latinoamericana de Reprodução) entre 2010 e 2012 verificou os dados de FIV de 22 mil mulheres comparando pacientes com endometriose com outras causas. Apesar das pacientes com endometriose terem um número de oócitos significativamente reduzido em relação aos controles, as taxas de fertilização e de gestação foram semelhantes entre os grupos. 

        Resultados tão heterogêneos provavelmente se devem ao fato dos estudos serem retrospectivos com populações diferentes, assim como pelas formas diferenrtes de investigação de pacientes que são qualificadas como causa inexplicada. Provavelmente apenas um ensaio clínico randomizado poderá elucidar esse tema. 

        Ainda mais controverso é se a severidade da endometriose pode afetar os resultados da FIV. Foi sugerido que endometriose avançada pode alterar a expressão de receptores de estrogênio e progesterona nas células da granulosa. Estudos clínicos mostram menor número de oócitos, menor taxa de implantação e menores taxas de gestação em pacientes com endometriose mais severa, sugerindo que o fator inflamatório peritoneal, que na doença avançada é extenso, pode prejudicar desfechos mesmo in vitro. 

        A presença de endometrioma ovariano não parece afetar o número de oócitos produzidos pelo ovário que contém o cisto. Entretanto, é controverso se a presença do endometrioma pode influenciar negativamente na qualidade oocitária e, como consequência, embrionária. 

Endometriose e FIV (fertilização in vitro)

A indução da ovulação da paciente com endometriose


        O conceito que a endometriose é uma doença hormonalmente dependente leva a crer que o ciclo longo com downregulation através do uso do agonista do GnRh em fase lútea talvez provocasse algum benefício em termos reprodutivos. Esse conceito foi investigado por diversos estudos retrospectivos na década de 90 que compararam os efeitos da indução com antagonista ou ciclo longo com agonista nas taxas de gestação em pacientes com endometriose sob indução da ovulação para FIV. Os resultados são controversos, mas um estudo francês com número maior de pacientes mostrou benefício do ciclo longo sobre os outros protocolos de indução. Uma análise observacional mais recente não achou diferença entre os protocolos de indução(19). 

        Estudos prospectivos com períodos maiores de bloqueio de eixo (3 meses) são mais homogêneos em demonstrar esse benefício , sugerindo que o bloqueio apenas em fase lútea é insuficiente para reduzir os efeitos da doença sobre os desfechos reprodutivos. Uma metanálise da Cochrane com 3 ensaios clínicos randomizados incluindo 163 pacientes com endometriose confirmou o benefício da supressão a longo prazo pré-FIV. 

A cirurgia como adjuvante Pré FIV


        Dois ensaios clínicos randomizados na década de 90 avaliaram o benefício da exérese dos focos de endometriose nas taxas de gestação espontânea nos meses subsequentes. Um deles com número maior de pacientes mostrou benefício em termos de gestação, assim como a metanálise realizada posteriormente. 

        Entretanto o benefício de tal procedimento previamente à FIV não é claro. Surrey and Schoolcraft reportaram ausência de influência da cirurgia para endometriose assim como do tempo na qual ela foi realizada em relação à FIV. Bedaiwy confirmou esses achados. Já dois outros estudos, avaliando pacientes em circunstancias especiais como pacientes com endometriose mais severa, encontraram taxas de implantação e de gestação maiores nas pacientes que foram operadas previamente ao tratamento. Ambos estudos tem falhas metodológicas que ainda não permitem que extrapolemos essa questão. 

        O benefício da ressecção de endometriomas pré FIV foi revisada através de duas metanálises recentes que não evidenciaram benefício da cirurgia em termos de taxas de gestação. Ao mesmo tempo parece haver uma maior necessidade de gonadotrofina e menor número de oócitos nas pacientes que foram submetidas à cistectomia, demonstrando a dificuldade que o cirurgião tem de diferenciar tecido ovariano normal da capsula do endometrioma, especialmente em endometriomas volumosos. 

Desfechos gestacionais


        A gestação costuma ter um efeito supressor benéfico sobre os focos de endometriose, melhorando sintomas dolorosos. Complicações agudas da endometriose como hemoperitôneo, complicações ovarianas ou intestinais são muito graves, porém muito raras e de natureza imprevisível, não justificando qualquer mudança no cuidado habitual dessas pacientes. 

Alguns estudos reportam aumento das taxas de aborto espontâneo, trabalho de parto prematuro e bebês pequenos para idade gestacional em pacientes com endometriose. Entretanto, resultados discordantes, fatores de confusão e falhas metodológicas não nos permitem concluir definitivamente sobre esse risco. O risco de placentação anormal (placenta prévia) é o que aparece de forma mais constante, mesmo em pacientes que não foram submetidas a cirurgia uterina. 

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