INTRODUÇÃO
Sífilis é uma doença sistêmica causada por uma bactéria Gram-negativa, do grupo das espiroquetas, chamada Treponema pallidum. A transmissão é predominantemente sexual, sendo mais contagiosa nas fases iniciais da doença. Outra via comum é a transplacentária, causando a sífilis congênita.
Estima-se que mais de 900 mil casos novos por ano ocorram no Brasil; no mundo, o número de casos novos supera 12 milhões por ano. O Brasil vive uma epidemia de sífilis, conforme revelou o último boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, mostrando um aumento de 32,7% da sífilis adquirida entre 2014 e 2015.
A sífilis congênita é considerada doença sentinela para o sistema de saúde. A incidência em 2015 foi de 6,5 casos a cada mil nascidos vivos – 13 vezes mais do que é tolerado pela Organização Mundial de Saúde e 170% a mais do que o registrado em 2010.As principais causas da epidemia incluem a diminuição do uso do preservativo e o desabastecimento de penicilina devido à falta de matéria prima.
CLÍNICA
O curso da sífilis não tratada consiste em três fases sintomáticas entremeadas por períodos assintomáticos (latência). A diferenciação dos estágios clínicos é importante para escolher o método diagnóstico, porém o período de incubação é variável e existem muitos casos assintomáticos.
A sífilis primária consiste em uma única úlcera genital indolor, com bordas endurecidas e fundo limpo, conhecida por cancro duro. Pode ser acompanhada por linfadenopatia inguinal. A lesão costuma desaparecer espontaneamente, mesmo na ausência de tratamento, sem deixar cicatrizes.
A sífilis secundária aparece entre seis e oito semanas após o cancro duro, podendo incluir lesões cutâneo-mucosas, sendo as mais comuns: roséola sifilítica, sífilis papulosa, alopecia areata e condiloma plano. Podem ser acompanhadas por febre, mal-estar, cefaléia e adinamia. As lesões costumam ser exuberantes nessa fase e, assim como na sífilis primária, regridem espontaneamente, sem sequelas.
A sífilis terciária manifesta-se de 3 a 12 anos após o contágio e pode incluir lesões neurológicas como tabes dorsalis, parestesia generalizada, lesões amolecidas cutâneo-mucosas como a gota sifilítica e ainda acometimento ósseo e cardiovascular (aneurisma aórtico).
A sífilis latente é aquela que não apresenta sintomas e somente pode ser diagnosticada por testes sorológicos. É dividida em latente recente (menos de um ano de infecção) e latente tardia (mais de um ano de infecção).
O Treponema pallidum pode ainda infectar o sistema nervoso central e causar a neurossífilis, que pode ocorrer em qualquer estágio da doença. Finalmente, em gestantes não tratadas ou inadequadamente tratadas pode ocorrer a transmissão vertical, causando a sífilis congênita, cujas consequências podem ser severas, tais como abortamento, parto prematuro, óbito perinatal em até 40% e ainda manifestações congênitas precoces ou tardias.
Os diagnósticos diferenciais incluem fissuras, úlceras traumáticas, herpes simples, cancro mole, cancro misto de Rollet (cancro duro + cancro mole), donovanose, farmacodermias e viroses exantemáticas.
DIAGNÓSTICO
O exame diagnóstico para sífilis deve ser feito em pacientes com sinais e sintomas da doença e ainda, em pacientes assintomáticos que façam parte de algum grupo de risco.
Os grupos de risco incluem: pacientes cujo parceiro foi diagnosticado com sífilis recente (primária, secundária ou latente); pacientes infectados pelo vírus HIV; pacientes expostos a relação sexual desprotegida; profissionais do sexo e homens que fazem sexo com homens.
Os testes utilizados para o diagnóstico da sífilis são divididos em duas categorias: exames diretos e testes imunológicos.
A bacterioscopia de campo escuro é um exemplo de teste direto, que poderia ser utilizada na doença recente, quando ainda não houve tempo hábil para a produção de anticorpos. O teste tem baixa sensibilidade (74% a 86%), porém ainda é considerado o padrão ouro. Outro exemplo de teste direto é a imunofluorescência, que utiliza materiais corados com técnicas diversas.
Na prática, os testes diagnósticos mais utilizados são os testes imunológicos. Os anticorpos, na maioria dos casos, são detectáveis a partir de 10 dias do aparecimento da lesão primária. Os testes imunológicos são divididos em treponêmicos e não-treponêmicos.
Os testes não treponêmicos detectam anticorpos anticardiolipina, que não são específicos para o Treponema pallidum. Os testes treponêmicos, por sua vez, detectam anticorpos específicos para os antígenos do T. pallidum.
O uso de apenas um teste não é suficiente para concluir o diagnóstico, pois os testes sorológicos, principalmente os não treponêmicos, estão associados a resultados falsos positivos. Isso ocorre porque condições como drogadição, doenças reumáticas e até a própria gestação podem positivar a sorologia.
Os testes não treponêmicos podem ainda se apresentar falsamente negativos devido ao efeito chamado prozona. Este fenômeno ocorre em menos de 2% dos casos, geralmente na sífilis secundária, quando há grande quantidade de anticorpos circulantes e então ocorre desproporção em relação à quantidade de antígenos. Com a diluição do soro encontram-se títulos finais elevados.
O teste não treponêmico mais utilizado é o VDRL. Existem ainda o “RPR” e o “TRUST” que são modificações do VDRL que visam melhorar a estabilidade da suspensão antigênica e permitir a leitura a olho nu.
O VDRL reagente com título igual ou superior a 1:16 é definido como doença e nestes casos o paciente deve ser tratado. É também o exame utilizado para seguimento (3 meses, 6 meses e um ano após o tratamento). Espera-se que os títulos apresentem queda para menor que 1:8 e negativem após um ano.
Os títulos baixos (menor ou igual a 1:4) podem persistir por mais tempo. Por este motivo, diante de pacientes assintomáticos, sem antecedente conhecido de sífilis tratada, com qualquer teste imunológico reagente, deve-se prescrever tratamento adequado com três doses de Penicilina a intervalos semanais.
Os testes treponêmicos incluem o FTA-Abs (mais usado), MHA-TP e Elisa. Estes testes são os primeiros a positivar após a infecção e em 85% dos casos permanecem positivos indefinidamente, mesmo após o tratamento.
Testes rápidos treponêmicos: são testes em que o intervalo entre a coleta e o resultado não ultrapassa 30 minutos, sem a necessidade de estrutura laboratorial. Tais testes têm sensibilidade de 94,5% e especificidade de 93%. São muito úteis, por exemplo, na internação das gestantes, antecipando a alta na maternidade caso ela esteja vinculada apenas ao resultado do teste não treponêmico.
Portanto, são necessários um teste treponêmico e um teste não treponêmico reagentes para concluir o diagnóstico de sífilis. A ordem de rastreio varia entre os serviços, existindo protocolos para ambas as abordagens.
Além disso, é necessário oferecer a estes pacientes o teste rápido para HIV.
TRATAMENTO
Caso o tratamento não seja feito com penicilina, devido à possibilidade de falha terapêutica, os pacientes devem ser seguidos em intervalos mais curtos (a cada 60 dias) para observar se não há indicação de retratamento.
O paciente deve ser considerado reinfectado quando foi adequadamente tratado e apresentar aumento do título do teste não treponêmico em duas ou mais diluições no exame de controle. Por exemplo, quando o título de 1:4 estabilizado aumenta para 1:16. Nesse caso deve ser realizado novo esquema de tratamento.
Na gestação, tratamentos com drogas alternativas à penicilina são inadequados pois não tratam o feto, e só devem ser considerados como opção nas contraindicações absolutas ao uso desta medicação. Estão contraindicadas as tetraciclinas, a doxiciclina e o estolato de eritromicina. Para as gestantes comprovadamente alérgicas à penicilina, recomenda-se a dessensibilização, em serviço terciário. O seguimento das gestantes deve ser mensal.
Observações:É importante oferecer ao paciente sorologia para outras doenças sexualmente transmissíveis, principalmente o HIV. E também, o parceiro sexual deve ser convocado para também receber tratamento adequado.